quarta-feira, 15 de junho de 2011

E O TEMPO ESCORRE PELAS MÃOS



"E pelas mãos descem os tristes suspiros carbonizados de crianças sonolentas. O papel paira a frente e gira em torno de acordo com as derrotas. Desce pelos dedos o tempo que se concentra num ponto distante. Um fiapo de linha. Uma espinha presa na garganta. Um detalhe entre a vida que poderia ser. Desejos caindo como orvalho entre a relva de pelos rasos e delicados como as fotografias dos detalhes que ninguém vê.

O problema nunca é do outro, é nosso. Nosso. Tal como o pão que nos sustenta dia a dia.

E pelos dedos desce o tempo. Desce mar, desce lágrima. Desce navalha. Sangue. Desce tudo entre a pele lisa e vermelha. Arranca-a. Destranca-a. Arrebenta-a. Em seu lugar fica a madeira velha. A torneira que ainda pinga. A poça. O copo vazio transparente e marrom. E pelos cabides um pouco mais de mim por dentro dos ternos e meias. Medindo tufos de cabelo enrolado pelo cano da banheira.

E pelos dedos desce o sonho. Um olhar que se encontrou em algum lugar do passado remexido e que está vincado em minhas mãos. Passado e futuro nas linhas das mãos. E que caminhos percorrer nas mãos dela. Na aquarela. Nos barrancos. Nas vielas. No céu. E entre as coxas brancas da donzela desvirginada.

Pelos dedos desce os letreiros de neon. Tábuas de petiscos e pratos do dia. Anterior a isso vemos os sujeitos sem rosto a limpar por onde a terra vermelha já passou. Só mais um pouco, eles pensam. E tudo estará terminado quando as unhas dos pés forem pintadas. Mascam pele, fumam brisas cinzas como olhos lascivos. Ouvem as músicas dos bordéis de luxo e se vêem nos reflexos dos carros brilhantes.

Descem pelos dedos os choros e as sombras das mulheres estupradas pelo mundo. Dos abortos. Arrotos. Da sujeira na ponta do palito de dente. Dos vômitos em esquinas suspeitas. As balas perdidas pedem informação aos corpos em que param. As buzinas azuis. A floresta vermelha e amarela. Os ossos horríveis de bois mortos. Imagens dos jornais das oito horas fervem as receitas de setenta e oito canais com meus trinta e dois dentes.

Tudo é boca. Pouca roupa. Sexo. Estômago. Banhos em madrugadas geladas. Alvoradas. Despedidas falsamente açucaradas. Rosas ao lado da cama. Vermelhos. Beijos. E pelos dedos desce tudo. Como a descarga da vida privada. Carregam-se pares a altares de retalhos incompletos. Pirulitos. Balas de goma. Bolas de chiclete. Cuspe.

Terços que tecem preces. Pregos que seguram sentimentos.

E pelos dedos desce... E desce... E desce...

Sem fim. Até o fim. Desce meio, inicio. Vicio. Noite. Dia. Manhã. A solidão da espera. O lixo na rua. Vai-se assim, assim...

Manso. De leve vai embora.

Pra algum lugar bem longe, estranho e frio da memória...
E assim como pontos de vista morrem, devaneios tem prazo de validade."


BY HORN

Um comentário:

Diz ai